Judaísmo - Sinagoga de Lisboa

 Para esta entrevista, dirigimo-nos à Sinagoga de Lisboa (Shaaré Tikvá) e entrevistámos a senhora responsável pelas visitas à sinagoga, ela própria uma praticante judia.

 

Pode-nos dizer o que é ser judeu?

Ser judeu é praticar a religião judaica. (pausa) Como princípio, judeu é o filho de uma mulher judia. É pela mãe que passa o judaísmo. Se pai e mãe forem judeus, as criancinhas são judias. Mesmo que mais tarde se convertam a qualquer outra religião, para as comunidades judaicas elas mantêm-se judias. Se o par for misto, um judeu, outro não-judeu, acontece que se a mãe for judia, mesmo que o pai não seja, os filhos são judeus. Por outro lado, se o pai for judeu e a mãe não, por muito religioso que o senhor seja, os filhos não são judeus. Portanto, quem conta é a mãe.

 

E em que é que crêem?

Em Deus. (pausa) Em Deus, só. Como criador de tudo. (pausa). Do Universo. Deus é uma vontade, é uma inteligência. Não é físico, é espírito. Por isso, dentro das sinagogas não podem existir imagens. É considerado idolatria.

 

Gostaríamos de saber se existe algum tipo de exclusão ou outras consequências nesta religião em situações de desrespeito aos valores transmitidos.

Nós acreditamos que quando nós ofendemos (pausa) do ponto de vista religioso, quem nós ofendemos é Deus. Só. Portanto, as pessoas que fazem alguma coisa de errado em relação aos cânones da religião estão a ofender a Deus. (pausa) Nós, humanos, não temos nada que punir as pessoas por isso. As pessoas mais tarde, enfim, confrontam-se com aquilo que fizeram, quando já não estiverem com o corpinho, quando já estiverem só também elas em espírito, e, cada um é responsável por aquilo que faz. Seja o que for que eu faça que contrarie os princípios do Judaísmo, o meu problema é só com Deus. Com mais ninguém.

 

Em relação aos rituais praticados nesta religião, fale-nos um pouco sobre eles, as práticas, os costumes…

Ei, isso é uma coisa tão vasta. Porque o Judaísmo (pausa) entra em tudo quanto é a vida de um judeu. Não é só vir à sinagoga. Existe uma série de princípios que na vida do dia-a-dia devem ser cumpridos. Portanto, é praticamente tudo. Olhe, nós temos leis alimentares, temos leis até de comportamento higiénico, (pausa) temos a principal cerimónia do Judaísmo no sábado, porque o sábado é o dia sagrado. Mas atenção, do ponto de vista religioso os dias não são contados de meia-noite em meia-noite, mas de pôr-do-sol a pôr-do-sol. Os antigos hebreus dedicavam-se muito a actividades que estavam relacionadas com a natureza e naturalmente que para um pastor, para um agricultor, para um pescador, o dia acaba quando o sol se põe. Portanto, nós, na sexta, como no sábado, temos uma celebração com o pôr-do-sol de sexta-feira e outra ao pôr-do-sol de sábado, que são relativamente curtas. E depois temos uma celebração que é bastante longa ao sábado de manhã, em que são lidos os livros sagrados que correspondem ao Antigo Testamento (pausa). Depois o resto são questões éticas, não é? (pausa) Eu penso que todas as religiões devem ser uma forma de estar na vida e no Judaísmo isso é um bocadinho obrigatório, porque desde comer ou não comer isto e aquilo, fazer isto ou aquilo ou acoloutro, por exemplo, lavar as mãos sempre antes de tocar em alimentos por respeito para com os alimentos. Acaba por se tornar um modo de vida.

 

E outros rituais, por exemplo a circuncisão…

A circuncisão é feita aos rapazes no oitavo dia de vida no caso de eles estarem bem de saúde. (pausa) Penso que sabem que a circuncisão foi feita, foi pela primeira vez considerada como um pacto com Deus por Abraão, que foi o primeiro profeta. (pausa) E, ele fez a circuncisão, considerou que isso era um pacto de lealdade para com Deus e comprometeu-se a que os filhos e os filhos dos filhos fariam a circuncisão para manter esse pacto. Embora Deus seja um espírito, a verdade é que há não sei quantos mil anos as pessoas tinham necessidade que esse pacto tivesse um aspecto ligado ao físico. É por isso que se faz a circuncisão, que é uma coisa física.

 

E o bar/bat mitzvah?

Uma mulher judia que esteja grávida pode ter um rapaz ou uma rapariga. Se for o rapaz faz a circuncisão ao oitavo dia, os pais têm a obrigação de o mandar ensinar a ler e a escrever, e a ler e a escrever hebraico, porque as orações aqui são ditas em hebraico (se a pessoa depois está a rezar e não sabe o que está a dizer) (risos)… Depois, a partir dos 13 anos, se o rapaz estiver apto, e se quiser, pode ter essa cerimónia de bar mitzvah. “Mitzvah” quer dizer obrigação, mas uma obrigação que não pode se imposta. É uma obrigação que o rapaz escolhe cumprir. E a obrigação que ele escolhe cumprir é a de publicamente declarar que pretende continuar a seguir as regras do Judaísmo e cumprir a religião judaica. É feito a partir dos 13 anos porque antes disso o rapaz não terá maturidade suficiente para tomar uma atitude destas tão importante e às vezes tão complicada.                                                                                                                 Se for uma menina que nasce, até ao fim de um mês de idade é apresentada na sinagoga, os pais também têm a obrigação de a mandar ensinar a ler e a escrever, aprender a ler e a escrever hebraico pelas mesmas razões dos rapazes, e ,  a partir dos doze anos pode fazer o bat mitzvah que é equiparado ao bar mitzvah dos rapazes, e também fica a partir daí considerada de maioridade religiosa. As raparigas a partir dos doze anos porque amadurecem mais cedo que os rapazes.       No caso dos rapazes, a partir do bar mitzvah o rapaz conta para o número mínimo de dez necessário para que se forme uma assembleia de oração. No Judaísmo, a verdadeira sinagoga não é o edifício da sinagoga, são as pessoas. “Sinagoga” quer dizer “assembleia de oração”. Portanto, desde que estejam reunidos dez homens judeus de maioridade religiosa está composta uma assembleia de oração, está composta uma sinagoga.

 

E as raparigas também passam a ter alguma função, por exemplo, os rapazes passam a incluir esse número de dez…

Aqui na nossa comunidade, nas comunidades tradicionais e ortodoxas, os homens e as mulheres estão separados durante as celebrações religiosas. Os homens sentam-se aqui em baixo e nós sentamo-nos lá em cima. Isto não quer que as mulheres sejam consideradas de segunda, tanto que judeu é filho de uma judia, quer o pai seja quer não. Portanto, são os homens que estão aqui em baixo, que vão buscar os livros sagrados para ler, e portanto são eles que são essenciais e que têm que ter esse número mínimo de dez. Podem estar nove rabinos que não chegam. Aliás, um rabino não tem a mesma função de um padre. Não tem uma posição hierárquica superior do ponto de vista religioso em relação ao resto da comunidade. (pausa). Nas comunidades liberais, homens e mulheres sentam-se juntos e aí as mulheres também contam, depois de fazer o bat mitzvah, para esse número mínimo de dez. Mas só nessas comunidades em que todos estão juntos. Aliás, assim que entram na sinagoga, os homens têm de tapar a cabeça em sinal de respeito. Se a comunidade fosse liberal, as mulheres também poderiam tapar a cabeça porque também elas poderiam ser chamadas a ler os livros sagrados.

  

E as mulheres só não têm de cobrir a cabeça porque não estão cá em baixo...

Exactamente, porque não estão ao mesmo nível do ekhal. O ekhal é uma espécie de armário onde nós guardamos os livros sagrados e que está ali (aponta), é a arca sagrado, no fundo. E se os homens é que estão cá em baixo são eles que vão abrir o ekhal e retirar os livros sagrados para ler, que na verdade são rolos de pergaminho. Não somos nós que não podemos estar cá em baixo. Portanto, os homens, por sinal de respeito, assim que entram na sinagoga têm de tapar a cabeça. Se as mulheres estivessem aqui em baixo, como nas liberais, também teriam de tapar a cabeça.

 

Pode-nos falar da aceitação de relações entre judeus e não judeus?

Perfeitamente pacífica.

 

Amizade, namoro, casamento…

Olhe, eu tenho muitos amigos e muitas amigas não judeus. Aliás, a nossa comunidade é muito pequena…nós temos cerca de 200 jovens aqui em Lisboa mas vão desde os meses aos 20 anos, portanto, não podemos ser uma escola judaica. É impossível. Os nossos jovens andam em escolas como a vossa. Vêm depois aqui em horário pós-escolar ou ao domingo para estudar. Claro que têm as suas amizades e têm amizades que ficam para o resto da vida com gente que não é judia. Eu tenho uma amiga, antigamente no liceu havia o primeiro ciclo, o segundo ciclo e o terceiro ciclo, fomos colegas no segundo ciclo, depois ela foi para um alado e eu fui para o outro. Ainda hoje somos amigas, e ela é católica. Não tem nada que ver.      

Namoro, casamento (pausa) uma mulher judia que case mesmo com um não judeu os filhos continuam a ser judeus. Quando os rapazes querem casar com uma rapariga que não é judia, muitos põem essa questão de elas não serem judias e dos filhos não virem a ser judeus. E há muitas raparigas que se têm convertido por causa disso, ou pelo menos inicialmente por causa disso, e devo dizer-lhes que muitas dessas senhoras são até mais observantes do que aquelas que já nasceram judias. Porque foi uma escolha já em idade adulta.

 

Mas exige-se que…

Não, não exige. Temos casos desses, de homens judeus casados com senhoras não judias que não se converteram, e os filhos não são judeus. Ponto. Ponto final.  Não tem importância nenhuma.

 

Podem, por exemplo, vir aqui às celebrações?

Se vierem com a pessoa de família tornam-se conhecidas.

 

Diga-nos como é que a comunidade judaica olha a sexualidade. Aprovam o namoro explícito, virgindade homem e mulher, casamento …

Que eu saiba, as raparigas judias não são obrigadas a ir virgens para o casamento. (pausa) Antigamente, quando havia o templo de Jerusalém e os Cohen eram os sacerdotes, o sacerdote é que deveria casar com uma virgem. Os outros não. É perfeitamente indiferente.

 

E os homens, também não têm de ser virgens?

Não.

 

Não há aquela noção de se guardar para a pessoa…

Isso é uma coisa completamente pessoal. A religião não se mete nisso.

 

Nem interfere?

Não. (pausa) A única coisa em que a religião interfere era no caso dos Cohen, que eram os sacerdotes. O sacerdote só deveria casar-se com uma rapariga virgem, se não não podia ser sacerdote. O sacerdote estava muito ligado à divindade.

 

E casamento e união de facto. O casamento é mesmo necessário ou também é uma coisa que é de …

É de foro pessoal.

 

Não há, então, a noção de se querer que este membro desta comunidade partilhe esse momento com os outros?

É uma coisa inteiramente pessoal. Há uma regra no Judaísmo: tudo aquilo que eu faça de bem ou de mal é problema entre mim e Deus. Portanto, por exemplo, existem alimentos que nós não podemos consumir, entre eles, por exemplo, a carne de porco, o marisco. Se me der para comer carne de porco, as outras pessoas não têm nada que ver com isso. É problema meu com Deus. Tal como eu não tenho nada que ver com isso se vir as outras pessoas a fazer o mesmo. Eu não o faço, vejo o outro a fazer, não tenho nem que apontar, sequer. É problema da pessoa com Deus.

 

Então nesse sentido, se é o problema de cada um com Deus, porque é que se reúnem todos para…

Reunimo-nos para se formar uma assembleia de oração. Claro que podemos rezar em casa, sozinhos. Mas para se fazer uma celebração: um casamento, um bar mitzvah, seja o que for, para se fazer uma circuncisão, é preciso que haja uma assembleia de oração. A verdadeira sinagoga. É por isso que são necessários dez homens de maioridade religiosa. (pausa) Mas o que quer que seja que se faça é sempre problema entre cada um e Deus. Aliás, nós não temos a confissão. Quando fazemos asneiras, temos que pedir perdão (aponta para cima) lá acima. Só há uma coisa: se essas asneiras que a pessoa faz tiverem prejudicado alguém, e dizer mal de uma pessoa já é prejudicar essa pessoa, não vale de nada pedir perdão a Deus se não se tiver pedido perdão primeiro à pessoa. Por acaso é o mais difícil, acho eu. (risos) Se a outra pessoa perdoa ou não perdoa, isso já não tem importância. A atitude de ir pedir perdão por uma coisa feita é que é importante.

 

Relativamente ao uso de métodos contraceptivos…

É bom que se usem. É bom que se use porque se as pessoas estivessem habituadas a usar métodos contraceptivos não havia tantos abortos, que isso faz mal à saúde das mulheres, e, realmente, do ponto de vista religioso é uma coisa negativa, e, havia doenças que não se propagavam tanto.

 

Em relação à adesão da população mais jovem a esta religião…

Temos os jovens que temos porque somos muito poucos. Em todo o país não chegamos a duas mil pessoas. Aqui em Lisboa, inscritos na comunidade, somos à volta de seiscentos. Portanto, um terço são jovens nas várias idades, mas olhe, é assim: há uma idade em que os jovens têm mais tendência a ficar amigos dos colegas de escola, dos colegas de turma, do que daquelas pessoas com quem conviveram a vida toda e que já conhecem como se fossem família. Também e por isso que há casamentos mistos. Porque nem sempre é fácil um rapaz e uma rapariga começarem a olhar um para o outro como possível namorado quando já foram criados desde sempre juntos. Já é assim tão óbvio, já se conhecem tão bem, é como se fossem família, irmãos. Mas durante o tempo da adolescência, muitas vezes os jovens começam a afastar-se um bocado das tradições. Querem experimentar outras coisas. A grande maioria, a esmagadora maioria ao fim de um tempo, afinal de contas, a coisa fala mais alto. É o hábito, é a tradição, etc, e tenho a impressão que é muito difícil as pessoas depois separarem-se da religião.

 

Tirando a influência familiar, existem algumas actividades que cativem os jovens?

Sim, nós temos um clube, que é fora de Lisboa, onde há uma campo de futebol, há uma piscina, durante o Verão, há aulas de danças israelitas e temos festas. Portanto, são formas de cativar os jovens em actividades que têm que ver com o Judaísmo. Em todas as festas judaicas há ali actividades dirigidas aos jovens, e todas as semanas, todos os domingos, há actividades para os jovens, que estão divididos em grupos por causa das idades. Claro que eu não estou a dizer que 100% dos jovens vão lá aparecer!

 

Já nos falou que ser judeu é também uma atitude na vida…

É, eu penso que qualquer religião deveria ser isso…

  

Mas por exemplo, promovem sempre valores, promovem sempre…

Ai isso sim. Existe a chamada ética judaica das coisas. Pronto, é um bocado assim, não estou a dizer que se é melhor ou pior que as outras pessoas, mas realmente há coisas que um judeu não deve fazer. E há coisas que um judeu deve fazer.

 

Fale-nos dessa ética judaica.

Olhe, tudo aquilo que está nos dez mandamentos deve ser feito…ou não. (risos). Há muitas proibições. Portanto, se ler o Antigo Testamento, vai ver que a religião judaica influencia quase a vida do dia-a-dia das pessoas. (pausa). É muito difícil estar a dizer-lhe exactamente no quê, mas… os princípios do Judaísmo têm um grande peso na nossa vida familiar, com os amigos (pausa). Mas há mais, há muitos preceitos. Se lerem o Antigo Testamento, vão ver que há montes de coisas que um judeu deve observar. Nós temos um respeito profundo pela vida humana. Pela nossa e pela dos outros. Por exemplo, ao Sábado não se deve trabalhar, mas um médico ou um enfermeiro…se do trabalho dele depender a vida de quem quer que seja, judeu ou não, tem obrigação de trabalhar. Portanto, isso faz parte. A inter-ajuda, mesmo com pessoas que não são judias. A lealdade. Pronto, mas eu acho que não é uma questão de Judaísmo, acho que qualquer pessoa bem formada é leal. (risos).

  

Já conseguimos perceber, através desta ética que falou, que há muita solidariedade e que as pessoas procuram ajudar-se mutuamente e ser solidárias umas para com as outras, sendo judias ou não...

Sim, exacto. Não podemos reservar a solidariedade só para judeus. Isso seria contra um princípio que vem no Levítico e que é repetido variadíssimas vezes: Ama os outros como a ti mesmo. Portanto, os outros são todos. (pausa) E não faças aos outros o que não queres que te façam a ti. São coisas que vêm no Levítico e que são muito repetidas.

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